O estudo “Raça e filantropia” será lançado pelo Núcleo de Pesquisa e Memória da Mulher Negra (Nupemn) do Fundo Agbara, primeiro fundo filantrópico de mulheres negras no Brasil e parceiro da Imaginable Futures.
Esse é o maior mapeamento quantitativo de organizações negras realizado até o momento no país. Cerca de 800 iniciativas foram ouvidas. O estudo mostra onde as organizações estão localizadas, qual o perfil de quem compõe suas equipes, quais atividades realizam e os desafios que enfrentam. O projeto conta ainda com um curta-metragem que apresenta as histórias por trás dos números. A pesquisa terá também uma versão em inglês publicada em março de 2025.
Dias antes do lançamento do estudo e do documentário, Dandara Tinoco conversou com Luana Batista, gerente de pesquisa do Nupemn, que compartilhou parte dos achados da pesquisa. A seguir, compartilhamos trechos da entrevista, que pode ser assistida na íntegra aqui.
Como surgiu a ideia de produzir esta pesquisa?
A ideia da pesquisa nasce dos anseios do Fundo Agbara de ter um lugar de produção de conhecimento. É importante a gente pensar no ecossistema da filantropia para entender os nossos limites e também, a partir disso, produzir advocacy pela garantia da nossa missão, que é a emancipação e autonomia de mulheres negras por meio da justiça econômica. A gente fez um processo de escuta muito rigoroso para entender quais eram os nossos anseios, dúvidas e onde o Agbara queria atuar para trazer ainda mais excelência para sua prática. Então, pensamos: o principal campo de atuação do Agbara é dentro do campo da filantropia e raça, e angariar recursos ainda tem sido uma discussão.
Nada mais justo do que trazer para o campo um mapeamento de organizações negras que atuam na base. A pesquisa é inédita e traz dados muito promissores nesse sentido. Entendemos que a partir disso temos uma base de dados primários muito robusta que permite com que a gente faça análises secundárias e terciárias e desenvolva outras pesquisas. Estamos desenvolvendo pesquisas racializadas e generificadas. A gente acredita que só alcançamos justiça social a partir do momento em que a gente consegue produzir políticas e práticas com equidade de raça e de gênero.
Uma pesquisa desse tamanho, feita em um país com um tamanho continental e muita diversidade regional como o Brasil, pode ser muito desafiadora. Quais foram os principais desafios?
O principal desafio foi captar recursos e conseguir que as pessoas acreditassem que a pesquisa poderia ser real. A gente se propõe a fazer um mapeamento nacional de organizações negras nesse país continental e produzir uma análise a partir disso. Muita gente olhou e pensou que era uma loucura. Mas nós estamos acostumadas a entregar excelência. O segundo principal desafio foi a contratação de pesquisadores. Abrimos vagas para contratar 12 pesquisadores e, no fim, recebemos 575 inscritos. A seleção foi um desafio, pois tinham muitas pessoas potentes. Outro desafio foi ir a esses territórios. Visitamos 11 estados brasileiros e 75 organizações em dois meses, um prazo curto de viagens extensas, sem voltar para casa, indo de um lugar para o outro, mas uma experiência incrível. Outro desafio foi produzir uma pesquisa dessa proporção, com o vigor de uma tese de doutorado, só que não tempo muito menor. Por fim, a terceira fase da nossa pesquisa consistia em entrevistar o setor de investimento social privado (ISP), os filantropos, e não conseguimos a mesma proporção de retorno que tivemos com as organizações, no sentido de dialogar e obter respostas para nosso formulário. Isso talvez diga sobre qual importância e legitimidade do tema raça para esse setor.
Qual é a mudança que vocês querem provocar no setor de investimentos social privado com o lançamento dos resultados dessa pesquisa?
Se eu pudesse dizer isso em uma frase, eu diria: eu quero mais recursos para organizações de mulheres negras. Essas mulheres são as que estão construindo a realidade com as próprias mãos todos os dias em seus territórios e garantindo uma série de direitos para uma série de pessoas. Muita gente está estudando, comendo, trabalhando, tendo acesso a lazer, saúde e educação graças a pessoas organizadas em determinados territórios. Elas estão se organizando no presente para garantir um futuro. Precisamos repensar como o dinheiro está sendo alocado ou não em nossa sociedade.
Uma pesquisa recente diz que o terceiro setor gera cerca de 6 milhões de empregos (no Brasil), e nossa pesquisa mostra que 9 em cada 10 mulheres das organizações com quem conversamos são voluntárias, ou seja, não estão trabalhando (formalmente). Para quem estão sendo direcionados esses milhões de empregos? Isso nos ajuda a pensar não só no campo da filantropia, como no campo da política, da economia, do cuidado, da alocação de recursos, de garantia de democracia, de justiça social e transformação e de impacto.
Quero mais recursos para organizações de mulheres negras. Essas mulheres são as que estão construindo a realidade com as próprias mãos todos os dias em seus territórios e garantindo uma série de direitos para uma série de pessoas. Muita gente está estudando, comendo, trabalhando, tendo acesso a lazer, saúde e educação graças a pessoas organizadas em determinados territórios.
Além de lançar a pesquisa no Brasil agora, vocês planejam lançar a pesquisa internacionalmente, nos Estados Unidos, no ano que vem. Por que isso é importante?
Queremos internacionalizar o que estamos produzindo aqui. E isso também passa por uma questão de financiamento. A gente tem percebido que, cada vez mais, tem sido mais fácil conseguir financiamento para (projetos relacionados a) raça fora do Brasil do que dentro do Brasil. Para a gente conseguir mais investimentos, para incidir mais nossa prática, atender mais mulheres e alcançar a nossa missão, a gente precisa internacionalizar o que a gente tem produzido no nosso país. O Brasil é o lugar com a maior população negra fora de África e tem passado por processos sociais, políticos, culturais e históricos que fazem com que a gente não tenha acesso a uma série de coisas. Precisamos reverter esse quadro, a gente precisa de investimento. Fazer esse lançamento internacional faz parte de uma estratégia também de captação para que a gente possa incidir cada vez mais dentro do nosso território.
Além da pesquisa, vocês vão lançar um documentário com relatos de representantes das organizações que foram ouvidas na pesquisa. O que o documentário traz de diferente da pesquisa?
A ideia do documentário é humanizar os dados da pesquisa. Os gráficos e as tabelas são muito importantes, por trazerem uma análise objetiva da realidade para dialogarmos com os nossos financiadores, mas o documentário vem para trazer as nuances, as emoções, o contexto que dá vida às informações que vamos trazer no relatório. É uma estratégia de criar empatia, trazendo a diversidade que compõe esse país, quem são as pessoas que fazem parte desses territórios, quais são as dificuldades que estão para além do que os gráficos e as tabelas conseguem computar. Por exemplo, num gráfico, eu não consigo demonstrar para você que eu precisei pegar um avião, um ônibus e uma bicicleta e uma moto para chegar num quilombo, que não tem acesso à internet, mas que faz um trabalho extraordinário. E que nunca conseguiu captar recursos em um edital por dificuldades de mobilidade. Quando a gente está pensando nos editais, a gente está pensando nessas dificuldades? Acho que o documentário tem a capacidade de trazer problemas que estão além do nosso imaginário.
Acreditamos que as evidências apresentadas pela pesquisa do Fundo Agbara apresentam elementos cruciais para o ecossistema de filantropia, trazendo atenção para desafios que precisam ser mitigados e oportunidades para que o apoio a organizações lideradas por mulheres negras seja não apenas feito de maneira mais ampla, mas também mais justa.